O Supremo Tribunal Federal (STF) alcançou uma maioria decisiva na quarta-feira, 20 de setembro, para anular a aplicação da tese do marco temporal na demarcação de terras indígenas. Essa formação da maioria representa uma vitória para as comunidades indígenas, que se opõem à tese do marco temporal.
A tese do marco temporal estipula que apenas terras que já estavam ocupadas por indígenas em 5 de outubro de 1988, data da promulgação da Constituição, podem ser demarcadas.
Esse entendimento se baseia em uma interpretação literal do artigo 231 da Constituição, que reconhece os direitos originários dos indígenas sobre as terras que tradicionalmente ocupam e atribui à União a responsabilidade de demarcá-las e protegê-las.
Julgamento
O plenário retomou a discussão desse recurso em 20 de setembro, após tê-lo iniciado em agosto de 2021. O voto do Ministro Luiz Fux fortaleceu a corrente que considera inconstitucional o uso do marco temporal como critério para conceder terras às comunidades indígenas.
Ministros como Edson Fachin, Alexandre de Moraes, Cristiano Zanin, Luís Roberto Barroso, Dias Toffoli, Cármen Lúcia e Gilmar Mendes também votaram nessa direção.
No entanto, houve dois votos a favor da validação do marco temporal como um critério objetivo para a concessão de terras indígenas.
Os indígenas argumentam que a posse histórica da terra não está necessariamente vinculada à ocupação em 5 de outubro de 1988, pois muitas comunidades são nômades e outras foram deslocadas de suas terras durante a ditadura militar.
O voto de Luiz Fux consolidou a maioria contra o marco temporal no início da 11ª sessão sobre o caso, enfatizando que a Constituição pode admitir várias interpretações e que o Estado deve proteger as terras indígenas, mesmo quando não demarcadas.
A Ministra Cármen Lúcia também se manifestou contra o marco temporal, destacando que o caso envolve a “dignidade de um povo” e reconhecendo a dívida da sociedade brasileira com os povos originários após cinco séculos de opressão.
O STF ainda analisará propostas de tese sobre o tema, que incluem a indenização para não indígenas que atualmente ocupam terras de povos originários e a compensação para os indígenas quando não for mais possível conceder a área reivindicada. A decisão do STF terá repercussão geral e guiará futuras demarcações a serem conduzidas pelo Poder Executivo.
O que é marco temporal das terras indígenas?
A tese do marco temporal é uma concepção jurídica que estabelece que os povos indígenas têm o direito de ocupar somente as terras que estavam em sua posse ou sob disputa até o dia 5 de outubro de 1988, data da promulgação da Constituição.
Essa teoria surgiu em 2009, quando a Advocacia-Geral da União a utilizou no contexto da demarcação da reserva Raposa-Serra do Sol, em Roraima.
Um exemplo mais recente é o caso da Terra Indígena Ibirama-Laklãnõ, que abriga os indígenas Xokleng. Esse fato está atualmente em disputa no Supremo Tribunal Federal (STF), com uma parte dela sendo reivindicada pelo governo de Santa Catarina.
O argumento central do governo catarinense é que essa área, de aproximadamente 80 mil m², não estava ocupada em 5 de outubro de 1988. Os Xokleng, por outro lado, argumentam que foram expulsos da terra nessa época.
A decisão que o STF tomará no caso de Santa Catarina definirá a interpretação do STF sobre a validade ou inviabilidade do marco temporal em todo o país. Isso terá um impacto significativo em mais de 80 casos semelhantes e em mais de 300 processos de demarcação de terras indígenas atualmente pendentes.
Argumentos favoráveis
Há argumentos favoráveis ao marco temporal, como o apresentado pelo Ministro do STF Nunes Marques em 2021. Ele alegou que, sem essa restrição temporal, poderia ocorrer uma “expansão ilimitada” das áreas já incorporadas ao mercado imobiliário no Brasil.
Nunes Marques também enfatizou a importância do marco temporal para a segurança jurídica nacional. Ele afirmou que a posse tradicional não deve confundir-se com posse imemorial.
Argumentos contrários
Por outro lado, representantes dos povos indígenas argumentam que o marco temporal representa uma ameaça à sobrevivência de várias comunidades indígenas e ao meio ambiente.
Eles acreditam que isso levará a um caos jurídico no país e a conflitos em áreas que já estavam pacificadas. Uma vez que provocaria a revisão de reservas já demarcadas.
O Ministro Edson Fachin, relator do caso, foi contrário ao marco temporal. Ele destacou que a proteção constitucional aos direitos originários dos indígenas sobre as terras que tradicionalmente ocupam não depende da existência de um marco temporal.
Ele enfatizou que a Constituição reconhece que esses direitos são originários. Ou seja, anteriores à própria formação do Estado, e que a demarcação apenas reconhece essas terras, não as cria.
Com informações da Agência Câmara de Notícias