Agora que a votação do Marco Temporal está em tramitação, a bancada ruralista deixou bem claro que não quer nenhuma interferência do Supremo Tribunal Federal (STF) no assunto. A Frente Parlamentar Agropecuária (FPA), dona de uma das maiores bancadas de parlamentares no Congresso Nacional, está acompanhando a votação; Arthur Lira, presidente da Câmara, se comprometeu a priorizar votação do PL pelo plenário da Casa.
O interessa da FPA nessa briga é muito claro: abrir as terras indígenas para exploração de projetos do agronegócio, projetos de mineração e empreendimentos de infraestrutura. Em reportagem, a Frente declarou que “entendemos que o direito de propriedade não pode ser preterido em detrimento da demarcação de terras indígenas. O produtor rural deve ser ressarcido quando houve desapropriação da terra pela qual pagou. O direito de um não pode retirar o direito do outro”; na mesma ocasião, a FPA assinalou: “continuaremos com a tramitação do projeto de lei 490, que já tem sua admissibilidade aprovada na Comissão de Constituição, Justiça (CCJ) e Cidadania da Câmara dos Deputados, por entender que é o Congresso Nacional o Poder com a atribuição e legitimidade para legislar, conforme prevê a Constituição Federal”.
Atualmente, o Brasil tem 421 terras indígenas devidamente homologadas, que somam 106,6 milhões de hectares e onde vivem cerca de 466 mil indígenas. Há, porém, outras 303 terras indígenas que ainda não conseguiram obter a homologação presidencial, ou seja, que estão em alguma fase do processo de demarcação, sem que este tenha sido concluído.
O marco temporal da bancada ruralista
A votação do Marco Temporal é amplamente almejada por representantes do agronegócio; essa é uma das teses jurídicas utilizadas para questionar a demarcação de terras indígenas. É uma ação de reintegração de posse movida em 2009 pelo governo do estado referente à Terra Indígena (TI) Ibirama-Laklãnõ, declarada em 2003, habitada por mais de 2.000 indígenas também dos povos Guarani e Kaingang, segundo o Instituto Sócio Ambiental (ISA).
Se a votação do “marco temporal” seguir adiante, os territórios só podem ser demarcados se os povos indígenas conseguirem provar que estavam ocupando a área anteriormente ou na data exata da promulgação da Constituição Federal, em 5 de outubro de 1988, ou se ficar comprovado conflito pela posse da terra.
“Essa tese perversa desconsidera o histórico de violência a que foram submetidas as populações indígenas antes de 1988, bem como as ameaças e assassinatos que resultaram na expulsão das comunidades de suas terras”, avalia Antônio Eduardo Oliveira, secretário executivo do Conselho Indigenista Missionário (Cimi).
A tese foi usada pela primeira vez para questionar a demarcação da Terra Indígena Raposa Serra do Sol, em Roraima. Em 2009, o Supremo determinou a demarcação contínua da TI e retirada da população não indígena, afastando a necessidade de os povos originários provarem que estavam lá em 1988. “Eles [os indígenas] de fato não estavam na sua terra nessa data porque foram expulsos, tiveram suas terras tomadas por fazendeiros”, afirmou a assessora jurídica da Apib.
O “marco temporal” tem a aplicabilidade questionada no caso de povos que mantêm contato permanente com não-indígenas, mas o retrocesso seria ainda maior para os isolados, aqueles que preferem não manter laços com o restante da população.
Caso seja aprovada, poderá ser usada como base para decisões judiciais em casos semelhantes, definindo o futuro de milhares de indígenas brasileiros. Entretanto, caso o STF rejeite o “marco temporal”, a decisão deverá se sobrepor a qualquer legislação aprovada pelo Congresso que seja baseada no critério, conforme avalia a assessora jurídica da Apib.