Quando Adilson Filho, um baiano de 42 anos, foi contratado como faxineiro em abril deste ano, ele sentiu um enorme alívio. Após dois anos de busca incessante por um emprego formal, a oportunidade surgiu em um momento importante. Com a chegada recente de uma neta, a família cresceu para 15 pessoas, todas morando em uma pequena casa de dois quartos em Lauro de Freitas, região metropolitana de Salvador.
Até então, a principal fonte de renda era o emprego de agente de limpeza de sua esposa, Luana dos Santos, de 39 anos, juntamente com os pagamentos do Bolsa Família. Graças a esse benefício federal, Adilson pôde se inscrever em um curso técnico enquanto procurava trabalho, visando melhorar suas perspectivas profissionais.
Agora, com os dois empregados e a manutenção do reforço de renda do Bolsa Família, a família tem novos sonhos: comprar um terreno e construir uma casa maior, com três quartos.
“Hoje, espalhamos colchonetes e lençóis no chão para caber todo mundo”, relata Luana, evidenciando as condições apertadas em que vivem.
Tendência Nacional em crescimento
Casos como o de Adilson e Luana estão se multiplicando em todo o país. Com a forte geração de novos empregos, os beneficiários de programas sociais têm conquistado espaço no mercado formal sem necessariamente perder o acesso aos auxílios governamentais. Dados do Ministério do Desenvolvimento Social (MDS) revelam que, em 2024, mais da metade do saldo de empregos com carteira assinada foi destinada a pessoas que recebiam o Bolsa Família.
Para o governo, esses números demonstram que as medidas criadas para garantir a “porta de saída” dos programas sociais estão dando resultados positivos. No entanto, especialistas alertam que esse movimento está sendo impulsionado por dois fenômenos simultâneos: o aumento significativo dos valores pagos pelo Bolsa Família e a baixa qualidade de boa parte dos novos empregos formais criados recentemente.
Dados Reveladores
De janeiro a julho, o Brasil registrou quase 1,5 milhão de novas vagas formais, de acordo com o Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged), que contabiliza todas as admissões e demissões. Do total, 838 mil empregos, correspondendo a 56,2%, foram ocupados por beneficiários do Bolsa Família.
Novas Regras
O levantamento desses dados pôde ser realizado graças à integração das bases de dados dos Ministérios do Trabalho e do Desenvolvimento Social, ocorrida no ano passado. Embora não haja uma série histórica disponível, a análise dos dados de 2022 indica que a emancipação dos beneficiários está se acentuando. De janeiro a julho daquele ano, os beneficiários do Bolsa Família representavam 43% do saldo de criação de novas vagas formais no país, de acordo com estimativas do MDS.
O ministro do Desenvolvimento Social, Wellington Dias, atribui o impulso recente na inserção dos beneficiários no mercado de trabalho às novas regras do programa. O governo Lula aumentou a tolerância da chamada “regra de proteção” do Bolsa Família, que havia sido criada durante a gestão de Jair Bolsonaro, quando o programa era conhecido como Auxílio Brasil.
Regra de Proteção: Facilitando a Transição
A “regra de proteção” permite que as famílias que obtiverem um aumento de renda mensal per capita entre R$ 218 e meio salário mínimo (atualmente R$ 706) continuem recebendo metade do auxílio por mais dois anos. No governo Bolsonaro, o limite máximo da “regra de proteção” era de R$ 525 por pessoa da família.
Atualmente, o Bolsa Família atende a 20,7 milhões de famílias, das quais 2,7 milhões estão dentro dessa regra de proteção. No total, o benefício social custa ao governo R$ 166 bilhões por ano (1,3% do PIB) – cerca de 7% do Orçamento da União.
“Se a promessa é superar a pobreza no país, então o beneficiário só sairá do programa quando a família tiver realmente superado a pobreza. As pessoas estão perdendo o medo de ficar sem o benefício.” afirma Wellington Dias, ressaltando a importância dessa medida.
Empresas Aderindo à Iniciativa
Na tentativa de impulsionar a entrada de beneficiários do auxílio no mercado de trabalho, o governo passou a oferecer apoio às empresas que estão em busca de trabalhadores, incentivando-as a recrutarem entre os inscritos no Cadastro Único dos programas sociais. Desde o ano passado, o Ministério do Desenvolvimento Social fornece dados às companhias interessadas.
Mais de 40 empresas já aderiram a essa iniciativa. Com a demanda do empregador em mãos, o ministério filtra o perfil dos candidatos, considerando critérios como cidade, gênero, grau de instrução, raça, entre outros. A empresa então entra em contato e convida o inscrito a participar do processo seletivo.
Histórias de Sucesso
Foi assim que Jefferson Brito de Jesus, de 33 anos, conseguiu uma vaga de auxiliar de apoio administrativo em uma das unidades do Atacadão em São Paulo. Formado em administração de empresas e desempregado desde 2021, ele vinha se sustentando com o Bolsa Família para prover o sustento de sua esposa e dois filhos.
No início deste ano, Jefferson foi chamado pela rede de supermercados, que utiliza o Cadastro Único em seus recrutamentos desde março de 2023 e já convocou 21 mil beneficiários de programas sociais para processos seletivos. Três meses após ser contratado, ele foi promovido. Agora, com um salário de R$ 3.300, Jefferson afirma estar pronto para viver sem o auxílio, que será cortado por ele ter saído da faixa de “proteção”:
“Fiquei mais de dois anos procurando. “Fui trabalhar como autônomo em busca do meu objetivo, que era conseguir um emprego. Consegui. Meu salário agora é suficiente para cuidar da casa e sustentar a família. Tudo bem cortarem o Bolsa Família; não precisamos mais.”
Alerta sobre a Qualidade dos Empregos
O economista e pesquisador da FGV, Daniel Duque, aponta que o aumento da empregabilidade dos beneficiários do Bolsa Família pode ser explicado tanto pelo aumento do alcance do programa nos últimos anos quanto pelo tipo de expansão do emprego que o país vive atualmente.
Ele também observa um aumento da produtividade identificada no público-alvo do programa em comparação com o grupo de beneficiários anteriores, que era restrito aos mais vulneráveis. Segundo o especialista, isso por si só já aumenta a probabilidade de um destinatário de auxílio social encontrar um emprego.
“Além disso, a composição setorial dos empregos que vêm sendo gerados no país mostra que a maior parte é de baixa qualidade, normalmente no setor de serviços. É esperado que se encontrem entre beneficiários do Bolsa Família”, diz Duque, referindo-se à concentração das novas vagas em postos de pouca qualificação e salários baixos.
Expansão do Programa Social
O secretário de Inclusão Socioprodutiva do MDS, Luiz Carlos de Farias, argumenta que o crescimento do programa está vinculado ao retorno do Brasil ao Mapa da Fome.
“Uma vez que aumentou, vamos cuidar dessas pessoas. Via de regra, as pessoas querem emprego, querem crescer, querem sair dessa situação de pobreza”, disse ele.
Desafios Persistentes
Apesar da boa resposta do setor privado e do aquecimento do mercado de trabalho, os movimentos do governo ainda não foram suficientes para reverter o inchaço da base de assistência social. Atualmente, 54 milhões de pessoas em idade adulta estão inscritas no Cadastro Único. É um número maior que todo o estoque de empregos formais no país: 46,8 milhões em julho, segundo o Ministério do Trabalho. Ao mesmo tempo, a taxa de desemprego segue caindo, tendo chegado a 6,8% em julho, levando o país a um patamar próximo do “pleno emprego”, quando a oferta de vagas se aproxima da mão de obra disponível.
Apoio ao Empreendedorismo
O governo pretende agora acelerar a vertente “Acredita no Primeiro Passo”, um dos eixos do programa “Acredita”, lançado em abril com um sistema de microcrédito, apoio e capacitação para pessoas de baixa renda que buscam emprego ou desejam abrir pequenos negócios. A ideia é incentivar a geração de renda e dar suporte à parte crescente da população que mira no empreendedorismo em vez da carteira assinada. Empréstimos são concedidos por instituições financeiras conveniadas, com garantia do Tesouro Nacional.
O crédito de R$ 3,5 mil do Banco do Pará vai ajudar Sheila Caldas, de 52 anos, a reformar sua barraca no Ver-o-Peso, tradicional mercado público de Belém. Há 22 anos ela mantém o pequeno comércio de ervas naturais que sustenta os dois filhos. Em fevereiro deste ano, Sheila conseguiu acesso ao Bolsa Família. Agora, com o “Acredita”, pretende dar impulso às vendas na barraquinha com mais espaço e variedade de produtos.
Entendendo a Regra de Proteção
A norma que permite ao beneficiário do Bolsa Família permanecer no programa mesmo após conseguir um emprego com carteira assinada é chamada pelo governo de “regra de proteção”. Essa regra prevê que famílias que tiverem um aumento da renda mensal que ultrapasse R$ 218 por pessoa do lar (limite máximo para ingressar no Bolsa Família) sigam acompanhadas e recebendo o benefício, caso o salário do novo emprego não seja suficiente para ultrapassar meio salário mínimo (atualmente R$ 706) per capita.
Os beneficiários que ingressarem nessa regra passam a receber 50% do valor regular do Bolsa Família, por um período de até dois anos.
Por exemplo, em uma família com cinco pessoas, se duas delas conseguem um emprego, recebendo um salário mínimo (R$ 1.412) cada, a renda total de R$ 2.824 será dividida entre os cinco parentes, resultando em R$ 564,80 per capita. Como esse valor está abaixo do limite de R$ 706, a família entra na “regra de proteção”.
Nesse caso, a família fica no programa por até dois anos, recebendo 50% do valor a que teria direito, incluindo os adicionais para crianças, adolescentes e gestantes, caso não houvesse renda de trabalho formal no lar. O prazo de dois anos é contado a partir da data de atualização de renda no Cadastro Único.
Se a família perder a renda formal após os dois anos, ou tiver pedido para sair do programa, tem direito ao retorno. O responsável familiar deve procurar o Centro de Referência em Assistência Social (CRAS) para atualizar a informação de renda e solicitar a volta do pagamento do Bolsa Família.